terça-feira, 7 de julho de 2009

Ele sabe



Publico o texto que, em meio a dor da perda de Madalena, meu cunhado escreveu e me enviou no seguinte e-mail (Leia-o ao som da música in memorian, do grupo Logos)

Prezados amigos e irmãos em Cristo,

Ontem, dia 3 de julho, recebi uma notícia que me deixou profundamente abatido. Uma amiga muito estimada deixou o nosso convívio. Deixou-me estarrecido a forma violenta e banal como a tragédia aconteceu; conforta-me porém saber que o Deus que tudo sabe a recebeu com gozo no céu. A dor dessa separação me inspirou a escrever o texto que envio em anexo. Espero que possa ser útil e fale aos corações que igualmente necessitam do conforto do Onisciente.
Quero pedir que vocês orem pela família de Madalena Lima, sua mãe, Maria de Lourdes e irmãos Sulamita, Davi, Filipe, Israel e Jeú, para que o Eterno os conforte até o dia do nosso reencontro com ela nos ares, quando andaremos juntos na Cidade Eterna onde não haverá adeus. 1 Co 15.50-58

ELE SABE

Por Nazareno Arão

Hoje, a tristeza me aguardava à espreita, trajando as vestes tenebrosas de uma notícia trágica. Esperou que o meu coração estivesse frágil o suficiente para comportá-la do modo como ela mais gosta de estar quando o invade, o domina e o sujeita aos seus apuros: fria, dolorosa e incompassiva. Veio como um sobressalto, com olhar ávido e um riso de desdém, assombrando-me, humilhando-me, minando minhas resistências, abarrotando minhas trincheiras, destravando violentamente os elos que garantiam a permanência do equilíbrio e da harmonia que tantas vezes me sustentaram e promoveram meu sossego em instantes de grave tensão. E uma vez mais não pude refreá-la. Instalou seu arcabouço negro, hostilizou os meus sonhos e depôs no meu peito emoções que o coração mais pessimista jamais suporia experimentar. Instaurou a desordem admirada por seus asseclas que não tardaram a atender ao seu convite para juntos se regalarem em razão da minha dor: a amargura, o desalento, os presságios do desespero.
Nesses momentos em que muitos significados se perdem ao nosso redor, em que valores depositários de expectativas capazes de traduzir nossa essência se evaporam, em que palavras de alento se confundem com o vazio e o nada, e nossos olhos são banhados de lágrimas, lágrimas tão incessantes que podem compor um tempestuoso mar onde naufraga e afunda a esperança, um gemido exprimido escapa aos dardos sufocantes do abatimento para clamar: dói, Deus!
Dói a dor da perda, da separação, da ausência. Dá-se a sensação de que um tesouro nos foi usurpado, de que direitos nos foram violados, de que um membro do corpo foi arrancado. E quando desolados, parece que quanto mais caminhamos nesse vale, sua vastidão mais se avoluma, suas sombras se multiplicam e os sonhos que traduziam nossos mais profundos anseios se reduzem a simples divagações de um coração lânguido. É difícil aceitar, reconhecer, enfrentar. As forças já escassas não dão conta de tão árduo dever. Prostramo-nos. Não há nada que possamos fazer. Não podemos caminhar. A ovelha geme, está ferida e o pranto que encrosta seu coração ensaia sua revelação nesse único suspiro: dói, Deus!
Ele sabe que dói. Sou um ser finito, atravessado e atordoado, mas eu sei que Ele sabe. Sou uma ovelha debilitada à beira de um desfiladeiro, mas Ele sabe. Sou um texto previsível rabiscado em um papel amarelecido, cheio de indagações e porquês e... só Ele sabe. Sou um míope egoísta ao ponto de não enxergar qualquer fundamento em seus desígnios e permitir que minha mente desbrave a lógica humana para caçar aquilo que nela jamais se encontrará, por estar fora de sua limitada esfera, porque só Ele sabe. E saber que Ele sabe é o suficiente.
O Bom Pastor é aquele que sabe. Ele conhece o gemido das suas ovelhas e as suas ovelhas conhecem a sua voz. Ele não deixa que nada nos falte, e nem mesmo o nada, a própria falta, uma penetrante sensação de abandono causada pela perda, que é o vazio, o nada e a dor do nada, da saudade, da carência, da certeza do que era e amanhã não mais será, da retirada, da partida, da inexistência, da privação. Ele sabe e Ele é Bom e sabe o que é bom. Eu não sei nada, mas O que sabe me guia e vai a minha frente. Não deixa que as ervas daninhas das incertezas me envenenem ou que eu caia no precipício das minhas dúvidas. Sabe como e onde devem ser apascentadas a ovelha ferida, a ovelha arredia e a ovelha que quer levar. Ele sabe que dói, onde dói e a dosagem da dor que cada uma é capaz de suportar, ainda que meu coração prensado não a tolere, a verdade é que eu não sei, mas Ele sabe. Eu não deveria temer o vale da sombra da morte, porque Ele está comigo e disso eu sei. Mas eu o temo, porque só consigo ver o vale e sentir a dor do vale, contudo o atravesso fiado nessa segurança: dói, mas Ele sabe.

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